“HÁ MAIS DE 40 ANOS DEIXÁMOS DE FALAR EM EMIGRAÇÃO E PASSÁMOS A FALAR EM COMUNIDADES” – Augusto Santos Silva, Presidente da Assembleia da República

Entrevista Exclusiva conduzida por João de Noronha e Carlos Ribeir

Augusto Santos Silva é, atualmente, o Presidente da Assembleia da República de Portugal e por sinal o vice-Presidente da República. Nasceu em 1956, é professor Universitário e sociólogo. È militante do Partido Socialista e foi em 2015 empossado como Ministro dos Negócios Estrangeiros, no Governo de António Costa, depois de ter sido Secretário de Estado da Administração Educativa (1999-2000) e depois Ministro da Educação (2000-2001) e da Cultura (2001-2002), nos governos de António Guterres; antes tinha sido Ministro dos Assuntos Parlamentares (2005-2009) e da Defesa Nacional (2009-2011), com José Sócrates. Convidado pelo seu congénere do Parlamento inglês, o ‘speaker’ da Câmara dos Comuns, Linsday Hoyle, visitou Londres, onde teve encontros institucionais e reuniu-se com a comunidade portuguesa.

Durante a receção à comunidade portuguesa na Embaixada de Portugal, o Presidente da Assembleia da República, aceitou o nosso convite para uma entrevista, que aqui vamos passar:

A Assembleia da República (AR) portuguesa é um órgão de grande importância para a discussão e aprovação, em geral, de leis que afetam a vida dos portugueses residentes em Portugal. No entanto, vimos, este ao, aprovadas leis que titulam o Conselho das Comunidades Portuguesas (que representa perante o Governo a emigração) e o apoio do Estado aos Órgãos de Comunicação Social em português na Diáspora. Quisemos saber quais outras matérias julga, Augusto Santos Silva, importante tratar na mesma AR, que possam vir ater importância para o universo da emigração portuguesa? Nomeadamente, o teste do voto eletrónico nas eleições que afetem os portugueses residentes no estrangeiro?

“Penso que o tema principal vai ser justamente a eleição eleitoral. Porque há certamente certos ajustamentos que são precisos fazer em vários seguimentos das eleições, para se evitar que se repitam as dúvidas que, no ano passado, surgiram e originaram a repetição das eleições no círculo da emigração na Europa. A Assembleia da República constituiu um grupo de trabalho para examinar as questões eleitorais e creio que é de esperar que, na próxima cessão legislativa, possa haver algum desenvolvimento quanto a nessa érea que, como sabe, as eleições legislativas de 2022, colocaram algumas questões relativas ao modo do exercício do voto de correspondência que levou o Tribunal Constitucional a repetir as eleições no círculo da Europa. Pelo menos alguns ajustamentos é preciso fazer”.

VOTO ELETRÓNICO NÃO PRESENCIAL EXIGE CONSENSO

O presidente da Assembleia Nacional portuguesa, abordando outro tema, continuou por explicar que “a discussão sobre o voto eletrónico em Portugal tem feito o seu curso. Já se fez uma experiência de voto eletrónico presencial e há já um debate entre os partidos sobre o voto eletrónico não presencial. O que é preciso é sempre salvaguardar a pessoalidade e a natureza secreta do voto. O voto é pessoal: é secreto, é livre e deve sê-lo em qualquer circunstância.  E, por isso, há um debate que está a decorrer entre os partidos políticos. Há uns que entendem já ser possível tentar um teste, há outros que entendem que esse teste deveria fazer-se em relação ao Conselho das Comunidades Portuguesas, há outros que entendem que (o assunto) exige ainda maior ponderação. As leis eleitorais, sendo leis, de maioria qualificada pede um consenso”.

Aproveitando este tema de eleições e da importância, para Portugal, do voto dos portugueses emigrados, trouxemos um assunto a debate. Falámos sobre a importância, para todos nós, vivendo no Reino Unido, em acompanhar tudo o que aqui se passa e que nos afeta diretamente o dia a dia. Falamos no que diz à política, legislação, educação, saúde, custo de vida, trabalho, direitos e garantias. No que diz respeito a Portugal, qual é a importância do envolvimento dos emigrantes portugueses nas eleições e outras atividades politico/sociais em Portugal?

É NECESSÁRIA A “DUPLA” PARTICIPAÇÃO DOS PORTUGUESES: AQUI E EM PORTUGAL

“Eu acho que é da máxima importância. Foi aliás essa a razão que levou a AR em 2018, se não me falha a memória, julgo mesmo por unanimidade, levar o recenseamento automático a todos os portugueses residentes no estrangeiro. Essa é uma peça fundamental e que significa que, qualquer titular de cartão de cidadão, maior de 18 anos, viva onde viver, é eleitor. Tem o direito de votar e não precisa de se registar ou recensear: está automaticamente recenseado. Em consequência disso hoje já podemos ver, que multiplicou várias vezes o número de votantes, depois de 1918 e em comparação com os votantes que era habitual antes dessa extensão do recenseamento automático. É muito importante que os portugueses participem civicamente na vida do seu país de origem, como é muito importante que as comunidades portuguesas e lusodescendentes participem também crescentemente nos países ondem vivem. Onde também tem havido um movimento muito importante. Temos hoje portugueses eleitos nas autarquias locais, assembleias nacionais, temos governantes de origem portuguesa, temos lusos e lusodescendentes a ocuparem lugares de destaque no sistema de justiça, educação e na administração pública de países como o Canadá EUA, Brasil, Luxemburgo, França e no Reino Unido. Ainda hoje, na receção da Embaixada em Londres, pude conhecer vários vereadores portugueses em câmaras municipais do Reino Unido. E, portanto, eu diria que nós precisamos desse duplo movimento. Maior participação dos portugueses na vida política nacional e também a participação dos portugueses nas instituições das sociedades de acolhimento”.

Augusto Santos e Silva foi, durante 7 anos, Ministro dos Negócios Estrangeiros em Portugal, numa altura em que os Consulados no Reino Unido mostravam grandes dificuldades em gerir e responder às necessidades dos portugueses aqui residentes. Isto porque, obviamente, o orçamento disponível para atacar o problema era insuficiente. Perguntámos-lhe, como Presidente da Assembleia (vice-Presidente da República) e um dos atuais deputados da emigração, como vê a resolução desta questão, o ainda maior dilema das comunidades portuguesas aqui emigradas?

“HOJE TEMOS 470 MIL PORTUGUESES COM AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA”

“Eu acredito que ainda é preciso continuar a fazer um esforço. Na altura nós reforçámos os meios quer humanos, quer de materiais do Consulado Geral em Londres e Manchester e também abrimos o Centro de Atendimento Consular no Reino Unido. Na altura, esse esforço foi sobretudo importante para garantir que nenhum problema afligisse a comunidade portuguesa no contexto do Brexit e, de facto, revelou-se que os portugueses conseguiram registar-se, sem nenhuma dificuldade de maior, e nós temos hoje cerca de 470 mil cidadãos portugueses que têm a autorização de residência devidamente formalizada no Reino Unido, mas temos de continuar a fazer esse esforço como compreende. Eu agora devo ser discreto em relação a responsabilidades que já não são minhas, mas continuarei a acompanhar como Presidente do Parlamento e deputado”.

Só que durante muitos longos anos fomos para o Governo português cerca de 200 mil portugueses residentes no Reino Unido. O Observatório da Emigração, subsidiado pelo Governo, dizia mesmo que não passávamos de 125 mil antes da pandemia. No entanto, a subscrição obrigatória do Estatuto de Residência, aponta-nos para cerca de 500 mil portugueses residentes o Reino Unido. Terá sido a confusão dos números a justificação para o atraso a expansão e organização dos Consulados?

“Não creio. Sabe que nós temos três fontes principais para identificar os cidadãos portugueses residentes o estrangeiro: as primeiras fontes são os registos dos próprios países (de residência); a segunda fonte que temos são o número de inscrições consulares; e a terceira fonte que temos são os titulares de cartão cidadão português residentes nos diferentes países. Essas fontes dão-nos resultados naturalmente diferentes. Porque cada uma delas têm as suas vantagens e as suas limitações”.

“Depois há várias explicações… os números mais baixos costumam ser os úmeros dos serviços de imigração dos diferentes países. Os números das inscrições consulares podem estar abaixo da realidade, por que nem toda a gente (quando chega) se inscreve logo no Consulado, só o faz se precisar de tratar de alguma coisa… mas também pode estar acima porque podem haver várias inscrições das mesmas pessoas. E os números do cartão de cidadão também não abrangem aqueles que, embora a viver no estrangeiro, continuam registados em Portugal. Acontece isso muitas vezes quando as pessoas estão em emigração temporária, com (residência) inferior a um ano ou estão a estudar e, por isso, em emigração temporária. Portanto, temos de olhar para esses números com cautela: são ordens de grandeza”.

HÁ 2.3 MILHÕES PORTUGUESES COM CARTÃO DE CIDADÃO DE UM TOTAL DE 5 MILHÕES PELO MUNDO FORA

Augusto Satos Silva, na Embaixada em Londres, com o Embaixador de Portugal, Nuno Brito e os deputados Sergio Sousa Pinto (PS) e Joaquim Miranda Sarmento (PSD)

“O número de titulares de cidadãos com cartão de cidadão português que vivem no estrangeiro andará por vota dos 2.3 milhões de pessoas, em todo o Mundo. E nós dizemos que haverá seguramente mais de 5 milhões de cidadãos portugueses, ou de origem portuguesa, que podem ser portugueses a qualquer momento por sua inclusive vontade: são aqueles que nasceram em Portugal; aqueles que nasceram fora de Portugal de pais portugueses; e aqueles que nasceram no estrangeiro netos de avós portugueses. Esses, mesmo que os respetivos pais não os tenham registado, podem naturalizar-se pela chamada naturalidade originária a qualquer momento. E, por isso, é que nós dizemos que seguramente haverá mais de 5 milhões”.

“Ora, o que o caso inglês mostra, é que nós não exageramos quando fazemos esta estimativa, porque no caso inglês nós pensávamos que, usando os dados da imigração inglesa e usando os dados do consulado, que eram seguramente mais de duzentas mil pessoas. Mas, quando essas mesmas pessoas tiveram de se registar, uma a uma, elas ultrapassaram os 400 mil e estão neste momento nos 470 mil. Portanto, mostra que quando nós dizemos que há 2 milhões e trezentos mil portadores de cartão de cidadão portugueses registados como residentes no estrangeiro, há seguramente mais do dobro de portugueses e lusodescendentes, não estamos a exagerar”.

Augusto Santos Silva com João de Noronha

As permanências consulares vieram, seguramente, revolucionar todo o sistema de atendimento consular. Isto porque se deslocam às diferentes localidades de residência dos emigrantes, encurtado as distâncias entre si e agilizando o serviço consular. No entanto, ao longo de alguns anos percebe-se que não são suficientes. É necessário, como temos vindo a defender, procurar outra solução. Tal como aquela das ‘antenas consulares’ (escritórios fixos avançados dos variados Consulados) prometidos por José Luis Carneiro, o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas na sua passagem pelo MNE. Será que tudo isso deixou de ter sentido?

A SOLUÇÃO DIGITAL CONTINUA A SER A RESPOSTA

“Eu tenho uma regra, que compreenderá, a regra de não falar sobre assuntos que já fui responsável e em relação aos quais cessei responsabilidades. Agora, há várias maneiras e vários Governos de diferentes orientações que têm trabalhado nesse sentido e tornar mais acessível os serviços consulares às pessoas: através das permanências consulares; através dos escritórios consulares, são serviços dos consulados que reportam aos consulados, mas que estão desconcentrados; e outra de meios digitais, que permitem às pessoas contatarem os seus Consulados e de tratarem certos assuntos sem se terem de deslocar presencialmente. E, o que eu poso dizer, é que diferentes responsáveis ao longo dos anos têm trabalhado no sentido de aproveitar estes instrumentos”.

Tudo isso é verdade, mas a introdução do sistema digital já se fala desde o SECP, António Braga (2007), e o que se constata é que tarda em surgir na sua plenitude. Se em que alguns desses serviços prometidos foram ao longo destes anos introduzidos. Portanto existe, da parte da comunidade portuguesa, alguma desconfiança sore todas essas promessas. Através da participação de muitos secretários de Estado, muitos ministros e até primeiros-ministros, de diferentes partidos, que veem-nos prometendo essa tal era digita… mas as dificuldades continuam.

“Por isso, é que é tão importante a função da imprensa das comunidades, exprimindo as suas necessidades, os seus anseios, às vezes o seu cansaço e as suas dúvidas e reclamações”.

Sendo esta emigração maioritariamente de primeira geração, como vê a importância da segunda geração e dos lusodescendentes para Portugal e no seio da Europa?

HÁ MAIS DE 40 ANOS DEXÁMOS DE FALAR EM EMIGRAÇÃO E PASSÁMOS A FALAR EM COMUNIDADES

O Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva
com o nosso Diretor Geral, Carlos Ribeiro

“Olhe eu dou-lhe o exemplo de há pouco. Conheci um jovem, que se me apresentou como vereadora português num dos municípios aqui da zona de Londres, e que me explicou o trajeto dele: filho de pai madeirense e mãe inglesa nascido já no Reino Unido, acabou por não desenvolver um português fluente na família e na escola primária e está a estudar português há quatro anos e já falava um português fluente. Ora, esta segunda geração é muito importante para assegurar a nossa influência, a nossa presença, a nossa ligação ao nosso país e eu creio, mesmo, que as novas gerações são o futuro das comunidades. Por isso, que nós, aliás, há muitos anos, há mais de 40 anos, decidimos deixar de falar em secretaria de Estado da Emigração e passar a falar em Comunidades Portuguesas. Foi aliás uma grande secretária de Estado, Manuela Aguiar, felizmente ainda viva, que deu esse salto. E porquê? Porque emigrantes são aqueles que se deslocam e comunidades, uma parte considerável das nossas comunidades um pouco por todo o Mundo, já não emigrou, no sentido em que nasceu filho ou neto de portuguese em países que não Portugal e são tão portugueses como nós e tão importantes para nós como aqueles que residem em Portugal”.

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