Luísa Sobral: “EU SINTO QUE NESTE MOMENTO ESTAMOS NA FASE MAIS PRODUTIVA – HÁ MUITAS COISAS BOAS, MUITOS ARTISTAS, MUITO AMOR À LÍNGUA”

Créditos da fotografia: Ana Paganini

Aos 36 anos, Luísa Sobral recorda o início do percurso na música, faz um balanço dos mais de 10 anos de carreira, elege as suas referências musicais e revela alguns desejos para o futuro.

Quem é a Luísa Sobral? Como é que te defines como pessoa? 

Sou cantora, compositora, mãe. 

Gosto de experimentar muitas coisas, gosto de muitas áreas dentro da criatividade.

Sempre ligada à palavra, gosto de escrever canções, mas também gosto muito de escrever.
Descobri recentemente que gosto de escrever prosa. Gosto de ir de ir explorando coisas novas e encontrando essa paixão por várias coisas.

Acho que isso talvez seja a coisa que mais me define.

Quando é que houve o “clique” para a música?

Nem senti muito bem, porque eu acho que isso foi sempre muito natural para mim, a única coisa que eu sabia fazer era música.

Havia imensas coisas para as quais eu não tinha habilidade: nunca fui boa a desporto, nunca fui muito boa na escola e a música era a coisa que eu era boa a fazer, eu pegava na guitarra e sabia os acordes, sabia tocar. 

Eu desde cedo que comecei a cantar, a decorar músicas muito rapidamente, escrever músicas. Para mim era algo natural e isso tornava-me diferente. 

No meu grupo de amigas todas eram muito boas alunas, nunca fui boa aluna, mas eu era a que cantava e escrevia canções, então isso começou a ser também um fator que me diferenciava das outras pessoas. 

Ingressar pela música foi um pouco por exclusão de partes, eu era boa naquilo e então, fui por esse caminho, aproveitei esse dom. 

Quão importante foi a tua participação e o teu 3º lugar nos Ídolos?

Acho que foi muito importante, porque eu sabia cantar para outras pessoas, para família e amigos. Eles diziam que eu sabia cantar bem, mas eu queria pôr-me à prova para outras pessoas que não a minha família e amigos. 

Eu era muito nova e foi extremamente importante para mim, não só porque me pus à prova, mas porque também percebi que podia ser esse o meu caminho, sentia-me confortável em estar num palco. 

Na altura não sabia quem era musicalmente, ainda tinha muito para aprender. Cantava as coisas que eles me davam e eu percebi durante o programa que não estava pronta nem de perto nem de longe para gravar um disco e isso foi bom porque foi por causa do programa que eu também fiquei ainda com mais certeza que queria estudar lá fora e que queria estudar música e descobrir a minha identidade musical.

Nessa altura já sabias o caminho que querias seguir?

Sim, já me tinha inscrito para ir estudar para os Estados Unidos, foi lá que fiz o 12º, num intercâmbio. 

Ou seja, eu quando entrei no programa já estava inscrita para ir fazer o ano seguinte nos Estados Unidos.

E, até me lembro da minha família e das pessoas dizerem “agora já não vais, pois não?”

Acharam que eu ia dizer “agora que correu tão bem com o programa, não vou”. 

Mas não tinha nada a ver uma coisa com a outra. Eu queria ir, ainda mais naquela altura, que senti que tinha tanto para aprender. 

Nessa altura até achei ótimo ir embora, porque fui estudar. Ainda não estava pronta para nada. 

Foi uma boa experiência, mas fez-me perceber que eu ainda não estava preparada. 

Sempre tiveste apoio da família quando tomaste a tua decisão?

Os meus pais sempre nos disseram que nós poderíamos fazer o que quiséssemos. O meu pai só me pediu que eu tivesse um curso superior.

Os meus pais adoravam música, por isso a música era algo bem visto por eles.

Eu sempre quis estudar música, por isso conseguir juntar um curso superior e música foi muito bom. 

Para mim tem que haver sempre outro caminho, ou seja, se não der este caminho, tenho sempre aquele caminho ou outro. 

Por isso para mim era importante ter um curso superior, porque caso não tivesse sucesso no mundo da música, poderia sempre seguir pelo caminho do ensino. 

Quem são as tuas referências musicais?

Eu vou mudando muito, mas neste momento, por exemplo, das pessoas que mais me inspiram musicalmente é o meu irmão e a Sílvia Perez Cruz, cantora catalã.

Acho que são assim as pessoas que mais me estão a inspirar neste momento. 

No início e para a escrita de canções, os dois gurus da língua portuguesa para mim eram o Carlos Tê e o João Mós. Eles escrevem o tipo de letra que eu gosto de escrever. 

Depois cresci também com o Rui Veloso a ser uma referência.

Lá fora, cresci a ouvir Spice Girls, por exemplo. Tive também esse período da minha infância. 

Depois em casa também com a influência dos meus pais, porque o meu pai ouvia muito Beatles e a minha mãe ouvia muito Maria Bethânia e Caetano Veloso.

Quando comecei a ingressar numa vertente mais de Jazz, a Ella Fitzgerald e a Billie Holiday eram assim as minhas referências, ou seja, quando eu ia entrando em diferentes estilos, ia tendo as minhas referências. 

Como é que descreves o desenvolvimento do teu percurso de álbum para álbum? Sentes que te transformaste pessoal e profissionalmente em algum momento da tua carreira?

Claro que sim. No meu primeiro disco eu tinha 23 anos e agora tenho 36, por isso eu acredito que agora estou muito mais madura, passaram alguns anos.

A minha vida mudou muito. Fui mãe 4 vezes e obviamente que isso é um fator que acaba por mudar muita coisa. 

Com o passar do tempo fui ficando mais próxima à Língua Portuguesa. Por exemplo, o meu primeiro disco é praticamente todo em inglês, muito pelo facto de eu estar a viver há muitos anos nos EUA. Então eu só falava inglês, sonhava inglês, só tinha amigos estrangeiros e então a minha língua era o inglês. 

Depois, quando voltei para Portugal, precisei de algum tempo para começar a ler só em português e para me “re-apaixonar” pela minha própria língua.

Quando isso começou a acontecer, eu já só queria escrever em português e isso acabou por ser uma transição positiva. Hoje em dia, não tenho nenhuma vontade de escrever em inglês.

Esse foi, para mim, talvez o meu maior processo de transição em termos criativos. 

Quando é que sentiste que a Luísa Sobral já era uma referência da música portuguesa?

Nunca senti isso, não sinto isso e nem penso nisso. 

Eu, por exemplo, acho sempre um bocadinho estranho nós colocarmo-nos na terceira pessoa. Eu nunca tive essa prepotência. 

Obviamente que se algum colega me diz isso eu vou ficar feliz e satisfeita, mas o meu objetivo não é esse, não é ser uma referência.

Para mim, as minhas maiores conquistas são conseguir sonhar, executar e fazer com que as pessoas gostem. 

Quais foram os momentos mais duros para ti em termos profissionais? Alguma vez sentiste que querias desistir e que a música não era para ti?

Não, não, até porque como disse, eu não sei fazer mais nada. Sei que, entre a música e o teatro, as minhas duas paixões, não sei se sei fazer realmente mais nada. Tudo o que sei fazer está ligado a estas duas áreas. 

A escrita de canções está ligada à música. Por isso, todas as coisas que eu acho que faço, mesmo a escrita normal de livros, está ligada à escrita. 

Posso ter pensado, às vezes, em: “ok, não estou a marcar tantos concertos, o que é que eu vou fazer? Deixa-me cá pensar nas outras coisas que eu sei fazer. Vou marcar uns workshops de escrita, vou tentar fazer outras coisas, pensar nas minhas valências”. 

Mas desistir da música não seria possível para mim. 

Tenho mesmo sorte, porque quando eu trabalhava em Nova Iorque, eu trabalhava em cafés o dia inteiro e depois tocava em bares/restaurantes à noite e era muito cansativo porque eu tocava até a meia-noite e tal e depois tinha que acordar às cinco da manhã para ir trabalhar num café o dia inteiro, ou seja, se era muito cansativo, mas foi muito pouco tempo.

Eu sabia que aquilo era um trabalho para um propósito, eu não tinha dinheiro suficiente para tocar a minha música, porque para tocar a tua música em Nova Iorque, tens que conseguir contratar uma banda, pagar aos músicos e depois vais ao sítio e as pessoas dão umas gorjetas, mas tu tens que conseguir chegar-te à frente. Eu não tinha dinheiro para isso. 

Eu comecei a pensar que não estava a dar e tinha que fazer alguma coisa, encontrar outro caminho sem ser o de desistir, porque não era por isso que eu estava em Nova Iorque. Eu queria chegar ao meu objetivo, ao sítio a que me propus chegar. 

Até que, um dia, fui convidada para gravar pela Universal, ou seja, realmente eu nunca tive muito tempo a tentar. 

Não sonhava ir a um programa de televisão e ficar famosa da noite para o dia e gravar não sei quantos discos, mas também não esperava trabalhar em bares durante anos e anos até alguma coisa acontecer.

Gostava de ter tempo para dedicar a outras coisas, como agora que só me dedico a escrever.

O público tem sempre boas reações e dá-te feedback positivo quando lanças um álbum?

Sim, o que eu tenho sentido hoje em dia é que com as redes sociais é mais fácil de chegar às pessoas e mais difícil chegar às pessoas, que é uma coisa estranha.

Ou seja, é mais fácil no sentido de realmente pões um vídeo e a pessoa que está do outro lado, um segundo depois vê o vídeo, isso é um facto. Mas ao mesmo tempo é um bocado falso porque eu tenho não sei quantos milhares de seguidores e só uma percentagem miserável dos meus seguidores é que as vê as coisas, o que é um bocado frustrante. 

Quando eu publico alguma coisa, não chega às pessoas que querem ouvir aquilo que eu tenho a dizer e esse tem sido para mim um desafio das redes sociais, porque não é a minha geração.

Eu não adoro as redes sociais, então eu tenho que andar a fazer um esforço para tentar perceber aquilo, para tentar entrar naquilo, porque eu percebo que se eu desistir daquilo a minha música e o meu trabalho não vai chegar às pessoas.

Isso tem sido um trabalho árduo. As reações são boas, mas chegar às pessoas às vezes não é fácil para ter essas tais reações. 

Há cada vez mais coisas, mais música e mais artistas que chegam a toda a gente, mas deixa cada vez menos espaço para cada um de nós. É difícil e essa tem sido uma grande aprendizagem.

Por exemplo, eu quando quero lançar um livro, eu tenho que publicar muitas coisas para aumentar o algoritmo, e eu nunca tinha pensado nisso, mas eu agora percebo que tem que ser assim e que isto acaba por ser uma ferramenta de trabalho e eu tenho que saber utilizá-la.

Durante a tua carreira tiveste oportunidade de colaborar com artistas como Jamie Cullum, António Zambujo e Mário Laginha em 2013 no álbum There’s a Flower in My Bedroom. Em 2016 gravaste um álbum Luísa em Los Angeles com o produtor Joe Henry (que já produziu para artistas como o Elvis Costello)…podemos esperar mais colaborações idênticas no futuro?

Não há nada em mente, de momento não estou a fazer nenhum disco novo.

Poderá haver algumas coisas no futuro, mas se forem estrangeiros só se forem mesmo brasileiros, porque eu estou só a escrever em português e não gosto de mistura de línguas, não sou muito fã disso. 

Já tentei algumas parcerias com brasileiros, mas para já ainda não houve essa oportunidade. E mesmo em Portugal, há artistas com os quais eu gostaria de colaborar. Por exemplo, eu já queria há muito tempo a escrever para a Carminho e ainda não tinha acontecido e no último disco enviei-lhe canções e ela gravou um tema meu.

Há pessoas para quem eu ainda não escrevi, mas eu gosto de me “atirar” e procurar oportunidades para o fazer. 

Define-nos cada um dos teus álbuns com uma palavra: 

  • The Cherry on My Cake (2011): inocente
  • There’s a Flower in My Bedroom (2013): introspetivo
  • Lu-Pu-I-Pi-Sa-Pa (2014): memórias
  • Luísa (2016): maduro
  • Rosa (2018): minimalista
  • Camomila (2021): pandemia
  • Dansando (2022): alegria de viver

Uma das tuas filhas chama-se Rosa e a outra Camila…o teu álbum de 2018 chama-se Rosa e o de 2021 Camomila…foram as tuas inspirações?

Sim, estão interligados e sim, foram as minhas inspirações. 

Ambos os discos foram lançados quando as minhas filhas nasceram: Rosa em 2018 e Camomila em 2021.

Como é que consegues conciliar o teu percurso profissional com a tua vida pessoal? Ter 4 filhos é um desafio?

Um grande desafio, mas eu e o meu marido temos um hotel para cães na quinta onde vivemos e ele é treinador: Cão da Quinta. 

Nós conseguimos por acabar gerir bem a nossa vida e tendo sempre ajuda também dos familiares.

Queres falar-nos um pouco de 2017, quando tiveste a oportunidade de compor uma música para o Festival da Eurovisão e que foi cantada pelo teu irmão?

Convidaram-me para escrever e eu aceitei. Falei com o meu irmão e disse-lhe que seria boa ideia ser ele a cantar, que as pessoas deviam ouvir a voz dele e que seria uma boa oportunidade e uma boa experiência. 

Ele estava um pouco de “pé atrás”, mas eu lá o convenci. 

Nós estávamos um pouco naquela de “nunca vamos ganhar a Eurovisão com esta música”, mas o objetivo também era escrever e cantar algo que representasse aquilo que nós fazemos e o nosso estilo musical. 

No entanto, durante os ensaios, nós começámos a receber feedbacks bastante positivos e a música acabou por ganhar proporções que nós não estávamos à espera. 

Depois da semifinal, vimos o crescimento e o impacto que a nossa música estava a causar e a possibilidade de ganhar tornou-se um pouco uma realidade. 

Sentimos que ganhámos sem saber como é que na realidade aquilo aconteceu. 

O que te dá mais prazer? Escrever ou dar concertos?

Neste momento, escrever.

Quando dás concertos, preferes em salas pequenas ou para milhares de pessoas?

Salas pequenas, completamente. 

Profissionalmente, o que é que ainda desejas alcançar?

Quero lançar o meu romance; quero escrever uma peça de teatro; quero representar uma peça de teatro escrita por mim; gostava de voltar ao Japão e fazer uma Tour; gostava de ir ao Brasil cantar e passar lá algum tempo com alguns artistas com quem eu gostava de colaborar; adorava escrever para artistas brasileiros. 

O que é que, na tua opinião, é o melhor e o pior da cultura musical portuguesa?

Eu sinto que neste momento estamos na fase mais produtiva, ou seja, há muitas coisas boas, muitos artistas, muito amor à língua. 

O que não é tão bom é a falta de investimento na exportação da música portuguesa. O facto de pensarmos que só o fado é que pode vingar lá fora. 

No entanto, para haver essa aposta na exportação, seria importante que as rádios portuguesas apostassem também na música portuguesa e de momento, isso não acontece.  

Viver no Centro de Portugal

Licenciado em Comunicação e Relações Públicas - Instituto Politécnico da Guarda, Portugal. Mestre em Relações Internacionais - Universidade de Wroclaw, Polónia. [ View all posts ]

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